Na foto vemos um cardume de Guppy
criados em casa
Pesquisa e adaptação:
Mário d'Araújo
Na foto um exemplar
macho de bela coloração
Começando pelo passado
A maioria do(a)s aquariófilo(a)s, ainda menino(a)s, tiveram as primeiras aventuras aquáticas com o conhecido guppy (Poecilia reticulata) que há pouco tempo passou para Lebistes reticulatus. Uma grande parte dele(a)s mudaram para espécies de maior dificuldade, à medida que evoluíam os seus conhecimentos. Na maioria dos casos o primeiro amigo ficou esquecido. No entanto aquela atracção do Guppy, que nos fascinou ainda crianças, pode ser ainda mais interessante mesmo para aqueles que já ‘sabem tudo’ (ou quase tudo).
Nunca é tarde para começar de novo com um dos peixes mais bonitos do comércio. Nenhuma outra espécie oferece cores tão brilhantes, resistência, facilidade de reprodução e uma beleza tão natural como o Guppy. Quando introduzimos um cardume num aquário só para Guppys ou num aquário comunitário em conjunto com espécies tranquilas, o resultado final pode ser simplesmente deslumbrante! Um preço razoável que permite praticamente a todos, novos ou velhos, fazer parte do universo de um dos nossos amigos mais antigo: o Guppy.
Outra das razões que fizeram a popularidade do Guppy ao longo dos tempos, é a pacificidade da sua natureza. São os hóspedes ideais pela sua resistência, capaz de aguentar as ‘escorregadelas’ do principiante e não só. Muitas vezes se diz que são peixes tímidos, o que não corresponde à verdade: eles gostam de se pavonear nas zonas de água livre, bem à frente do aquário, tornando-os os favoritos da miudagem. É a eles que todas as outras espécies tropicais devem agradecer a popularidade que atingiram. Uma história longa, com mais de 100 anos de reprodução em cativeiro (na América), que faz dele um dos mais baratos e interessante peixe tropical.
História?
Vamos gastar algumas linhas com as origens e habitat deste pequeno peixe, nativo da América, passando pelos Barbados e Trinidad. Esta pequena maravilha é reproduzida com fins comerciais em praticamente todo o mundo. No passado, algumas fugas dos circuitos de criação, permitiram o alargamento dos territórios naturais dos Guppys. O seu nome deriva do Reverendo Robert John Lechemere Guppy que enviou alguns exemplares para o Museu Britânico em 1866, onde recebeu o nome de Girardinus guppi, conforme descrito por A.C.L. Guenther, que lá trabalhava e que tinha conhecimento do nome Girardinus reticulata, escolhido pelo entusiasmado Wilhelm Peters , em 1859, quando recebeu a primeira remessa de Guppys, da Venezuela. Cerca de 70 anos mais tarde, as experiências dos cientistas russos Samokhvalov, Kirpichnikov e Blacher levaram à descoberta da genética do Guppy em 1939. Uma pesquisa subsidiada pela fundação Carlsbad, com os lucros obtidos na venda de cerveja (que é o que se deve beber quando o chefe não está a ver!).
Debaixo da alçada do império britânico, os Guppys foram introduzidos em várias regiões tropicais para controlar as larvas de mosquitos, num esforço para reduzir os riscos da malária. Muito mais tarde descobriu-se que o peixe-mosquito (Gambusia holbrooki) cumpria esta tarefa com muito mais eficácia, substituindo, por isso, o Guppy nessas funções. Infelizmente, e quase demasiado tarde, também se descobriu que a agressividade do peixe-mosquito levou quase à extinção muitas espécies nativas.
Os Guppy selvagens não têm comparação com os seus congéneres de cativeiro. A linhagem selvagem é mais pequena e pouco colorida. As fêmeas são castanhas ou acinzentadas, com barbatanas quase sem cor ou mesmo descoloridas. A pele das fêmeas está coberta de pequenas células de pigmento negro, melanóforos, que permitem uma rápida mudança de cor em caso de perigo. Se, por acaso, estiverem perto de fundos arenosos, conseguem clarear a cor de modo a passarem despercebidas. O mesmo peixe consegue activar as células de pigmentação escura, caso se desloque para zonas rochosas mais escuras..
Características físicas
O Guppy pertence aos Ciprinodontídeos, que incluem os vivíparos (platys, guppys, espadas, etc.) e ovíparos (killis). Este grupo inclui todos os peixes com pequenos dentes nas maxilas e são, em certas zonas, chamados de ‘carpas dentadas’ (toothcarps).
As fêmeas guppy crescem até 6,5cm, e começam a procriar com 2,5cm. Os machos atingem apenas 3,5cm e têm um corpo mais pequeno que o das fêmeas. Os machos ostentam cores muito bonitas, ao contrário das fêmeas, que são pouco coloridas. As novas técnicas de criação e os cruzamentos feitos ao longo dos últimos anos deram origem a novas linhagens de fêmeas com barbatanas coloridas e/ou parte do corpo colorida.
Também existem, ainda, alguns criadores menos escrupulosos, que utilizam hormonas para coloração dos seus animais. Certifique-se de que não compra animais obtidos desta maneira imoral, pois que um dos efeitos secundários é a esterilidade.
Os guppys podem ser classificados pela cor, forma e tamanho das barbatanas. As cores variam de linhagem para linhagem e vão das cores fortes às tonalidades pastel (mais suaves). As caudas apresentam as mais variadas formas e tamanhos, desde a cauda-de-lira, a delta, a laçarote, a espada (simples e dupla) até à redonda (vulgar nas fêmeas).
E o aquário?
Não é novidade para ninguém, que já teve o prazer da presença dos guppys, que eles aceitam água nas mais diversas condições, com ou sem sal. Apesar da aceitação desta flutuação dos parâmetros da água, não quer dizer que não lhes proporcionemos a melhor qualidade de água possível.
Não os devemos meter, NUNCA, em globos de vidro ou equivalente. Eles merecem de facto as mesmas condições de vida que as espécies muito mais caras.
Escolha sempre o maior aquário que as suas finanças (ler: a sua mulher/o seu marido) autorizem. Proporcionando uma boa qualidade de água (devidamente acondicionada), que podemos manter com um pH de 6.2 a 7.2 (verificar com testes adequados) sem variações bruscas, e uma dureza de 10ºdgH a 20ºdgH (que pode controlar com um teste de dureza total e corrigir, se necessário, com um produto adequado, por exemplo com o sera-sal mineral). Uma boa filtragem e um ambiente (decoração) quase como na natureza, o(a) aquariófilo(a) será premiado(a) com muitos anos na presença de um belo aquário e muitas criações.
A temperatura ideal ronda os 24ºC (basta verificar com um termómetro de aquário), que serve perfeitamente para o período de reprodução. Conforme a origem poderá ser necessário acrescentar (ou não) um pouco de sal (aquele que é utilizado para reconstituir a água dos aquários marinhos) na água (de 0 a 1g/litro). Mesmo deixados sem muitos cuidados, os guppys continuam a reproduzir-se, por isso não se esqueça de considerar no espaço do seu aquário e no equipamento de filtragem: as próximas gerações!
A fábrica de bebés ...
A maturidade em curto espaço de tempo é uma das razões que faz do guppy um peixe tão popular. São ovovivíparos, com fertilização interna. Os bebés nascem auto-suficientes. Os pais não colaboram em nada, quanto às necessidades dos filhotes. No entanto isto não parece afectar os jovens guppys em nada, que, caso não haja problemas, crescerão rapidamente até à maturidade.
A evolução da espécie levou à transformação da barbatana anal do guppy em órgão sexual, o gonopódio. Este órgão, de carácter único, transfere o esperma, do macho para a fêmea, através da cloaca desta. O gonopódio é o resultado da fusão do terceiro, quarto e quinto espinhos da barbatana anal, típico dos Ciprinodontídeos. Na extremidade deste órgão podemos encontrar uma série de pequenos ganchos que permitem a fixação do macho à fêmea durante a cópula. Uma fêmea poderá parir de 20 a 40 crias, dependendo do seu tamanho. Regra geral, quanto maior é a fêmea, maior é o parto. O recorde mundial (até à data) é do Chicago Shedd Aquarium que registou 244 pequenos guppys de uma só fêmea, tendo sobrevivido 238! Outra particularidade das fêmeas é a de poderem ter vários partos seguidos, sem inseminação prévia, portanto, sem a presença dos machos. Este fenómeno é chamado de superfetação e ocorre pelo facto de existirem pregas, na zona genital das fêmeas, que armazenam o esperma, até que este seja necessário para a fertilização.
De modo a preparar uma reprodução selectiva, o(a) aquariófilo(a) deve escolher primeiro, vários guppys que apresentem as mesmas características as quais nós acreditamos que poderá intensificar e assim criar uma linhagem de guppys com aquilo a que se pode chamar hereditariedade. Estas características passam pelas caudas longas, coloração fora do vulgar, ou outras que possam fazer as delícias do(a) criador(a).
Escolha fêmeas da mesma linhagem dos machos de modo a reforçar a linha genética e ao mesmo tempo poupar um tempo precioso na busca de uma nova variedade.
Devido ao facto de poucas linhagens serem ‘puras’ (produção de peixes iguais de umas gerações para as outras) é muito provável que lhe apareça uma característica nova em poucos anos. Há uma série de novas variações que podem ocorrer, também durante as mutações. O único problema é que uma grande parte destes ‘mutantes’ são estéreis ou portadores de genes recessivos. As possibilidades de conseguir uma mutação ao longo de algumas gerações, necessárias à produção de uma linhagem ‘pura’, são tentadoras. Mas muitos de vocês já sabem que tudo pode acontecer no que toca a reproduções.
O processo utilizado para obter a tal linhagem ‘pura’ é conhecido como procriação consanguínea. O primeiro passo é a escolha de um casal com as mesmas características e do qual vocês gostem. Coloquem-no dentro de um aquário de 40 litros com filtro de esponja e algumas plantas flutuantes como local de parto e protecção para os recém-nascidos. (alguns guppys são predadores dos próprios filhos e outros não).
É fácil de ver quando é que as fêmeas estão grávidas, pelo volume da zona abdominal e pela mancha negra da gravidez na mesma zona, que vai escurecendo cada vez mais. Durante a gestação deverá adicionar algumas gotas de vitaminas no alimento antes da distribuição do mesmo. Depois do parto elas darão à luz novamente no espaço de um mês.
Da primeira criação, já adulta, escolha uma fêmea saudável e junte-a com o pai. Na geração seguinte escolha outra fêmea de boa qualidade e junte-a com o avô. E assim sucessivamente durante várias gerações o que lhe permitirá definir aquelas características que pretende.
O professor Winge, da Dinamarca, utilizou este processo durante 24 anos sem qualquer introdução de ‘sangue novo’. O resultado que obteve foi uma linhagem de guppys de maior tamanho e mais fortes, sem quaisquer sinais de deficiências resultantes do processo.
Controle as novas gerações e veja se algum macho apresenta alguma característica nova que possa originar novas linhas. Se o primeiro macho morrer, escolha um filho saudável e continue todo o processo a partir daí. Este processo é mais eficaz do que o cruzamento de meios-irmãos.
Conforme as crias vão crescendo deve separar (sexagem) as fêmeas dos machos. Elas podem acasalar e reproduzir-se num curto espaço de tempo, a partir dos 4 meses de idade.
Restaurantes recomendados...
Os recém-nascidos podem ser alimentados com alimento de dimensão apropriada (por exemplo, sera-mikropan; se quiser pode fazer uma papa, misturando-o com água) várias vezes ao dia, alternando com artemia recém-nascida, para garantir um crescimento saudável. Utilize muitas plantas, umas com raiz e outras flutuantes, para que as crias se possam esconder e ao mesmo tempo crescer sem problemas. Sagittarias, fetos americanos, synnemas, cabombas e muitas outras espécies servem perfeitamente. Os guppys são omnívoros e gostam de carne e vegetais. Por isso, uma dieta equilibrada deverá incluir alimentos com componentes animais e vegetais, como as dietas sera fd e o sera flora.
Nota: a distribuição desregrada de tubifex pode originar hidropisia.
Umas pequenas lambarices de espinafre ou alface, escaldados, tornarão a ementa completa. Assim protege também as suas plantas de eventuais trincadelas. Alimente-os duas vezes por dia e se a sua mão se enganar e exagerar na dose, deverá retirar todo e qualquer excesso de alimento que não foi consumido no espaço de 5 minutos, com um aspirador. Lembre-se que os guppys têm uma boca pequena e um intestino bastante comprido, o que equivale a dizer que cerca de duas horas mais tarde já estão com fome, mas restos em demasia, que por preguiça (ou porque pensou que eles daqui a um bocado já comem) não retirou, é apenas um mau hábito que pode originar a perda da qualidade do aquário de que tanto gosta.
E médicos?
Apesar do facto de os guppys serem muito resistentes, as fêmeas grávidas ficam muito sensíveis ao frio (a temperatura deverá manter-se a 24ºC), e no caso de algum arrefecimento inoportuno, podemos ficar perante uma praga de íctio (ponto branco) ou mesmo fungos. Nestes casos deverá elevar um pouco a temperatura da água (cerca de 3ºc a 4ºC) do aquário e adicionar, por exemplo, sera-ectopur em conjunção com sera-costapur (de acordo com as instruções de cada um dos produtos) e o problema será debelado sem perdas..
Para as novas gerações
Não precisa de gastar muito dinheiro nem precisa de ser um cientista para criar guppys e desfrutar de toda a sua beleza em sua casa.
Tanto os principiantes como os mais experimentados podem apreciar e sentir a alegria da criação de um dos mais antigos companheiros do fascinante mundo aquático. O guppy manteve-se como ‘o peixe favorito’ durante muitos anos e assim acontecerá com as gerações (e porque não ainda a nossa?) que se seguem, que esperamos continuem a evoluir no sentido de sentirem cada vez mais respeito pelo mundo que nos rodeia ... com a ajuda do pequeno (mas sempre grande) Guppy!